segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

A etimologia de Almaceda — POR J. DIOGO CORREIA

in: CORREIA, J. Diogo (1962). A etimologia de Almaceda. Estudos de Castelo Branco n.º 4, 1 de abril de 1962, pp. 69-72

 

Não há campo mais ilusório, terreno mais movediço e escabroso que o da Toponímia. Conseguintemente, não há, nem creio que algum dia houvesse aparecido sobre a face da Terra, filólogo que, uma ou outra vez, não tivesse claudicado em suas tentativas para o descobrimento da origem etimológica de nomes de lugares.

A opinião de Pinho Leal, acerca da etimologia de Almaceda, apre sentada como tese incontroversa, teve, depois, a oposição formal do Dr. Pedro Augusto Ferreira, abade de Miragaia e continuador do seu Portugal Antigo e Moderno. O primeiro indicou para étimo do vocábulo a palavra árabe almazaida, «águas crescidas»; optou o segundo pelo termo castelhano mazanela, «bosque de macieiras». (Tentativa, III, p. 188). A estas duas opiniões me referi no meu livrinho Toponímia da Beira Baixa, e, cotejando-as, decidi-me pela do Abade de Miragaia, influenciado pela semelhança morfológica de vários topónimos da família de maçã, tais como: Maçadas, Maçainhas, Maçal, Maceda, Macedo, Macedos, Maceira, Macido, etc. (Vide Leite de Vasconcelos, Opúsculos, III, pp. 380 -381). Veio, a seguir, o ilustre beirão, sr. tenente-coronel Pina Lopes, investigador honesto e infatigável, que primeiramente propôs o étimo creio, o vocábulo espanhol almácega, vulgarmente almacega (cé) e, por fim, e em boa hora, segundo creio, o vocábulo espanhol almoceda, «águas de regadio de direito estabelecido». Voltei a estudar o problema e, desta vez, com redobrado interesse. Desloquei-me expressamente a Alcabideche, a fim de consultar uma simpática velhinha, infelizmente já desaparecida, viúva , que foi , do prof. José Lopes Machaz, incansável obreiro que, qual estatutário, desbastou em Almaceda tanta e tanta pedrinha «tosca, bruta, dura e informe» ; considerei o facto de o mestre Leite de Vasconcelos não incluir Almaceda na lista a que atrás faço referência; atentei na circunstância de a povoação ser atravessada pelo rio que lhe deu o nome e que a divide em duas aldeias, a aldeia do Espírito Santo , com a capela e o cemitério , e a da Senhora da Graça, maior, mas mais modesta; na divisão das águas do rio — a riqueza daquela pobre gente —, que lhe regam os milharais e as hortas e lhe fornecem a força motriz para as azenhas e lagares ; reflecti, em suma , na definição da palavra almoceda , do árabe almoçda, dada pelo Dicionário da Academia Espanhola : — «derecho de tomar agua por días para regar algun término».

Convirá ter presente que a mudança do o, de almoceda, em a, de Almaceda, é fenómeno morfológico igual ao que se deu em Morouço, forma antiga de Marouço, e Morofa, agora Marofa, nome de uma serra do sistema orográfico luso - castelhano.

Morouço ainda hoje vive nos concelhos de Barcelos, Braga, Feira, Santarém e Torres Vedras; Morofa apenas se me deparou na excelente Geografia do ilustre catedrático, Doutor Amorim Girão, a quem consultei sobre o caso e de quem, pronta e amàvelmente, recebi a informação de que Morofa (Mo) era a forma usada pelos nossos antigos corógrafos e por isso a adoptara. (De então para cá, passou a figurar, também, Morofa na Geografia de que sou co-autor).

Digno de ponderação é ainda o facto de ser fechado o e tónico dos topónimos terminados em -eda, como Aveleda, Carrazeda, Cerqueda, Freixeda, Loureda, Maceda, Peneda, Reboreda, etc., e aberto, que eu saiba, apenas o de Almaceda. É certo que - talvez por influência da pronúncia daqueles nomes —, Pinho Leal escreveu Almacêda, mas não há dúvida de que, em todo o distrito de Castelo Branco, a pronúncia corrente, e creio que única, é Almacéda.

As razões expostas levam-me a aceitar sem reservas a tese do Sr. tenente-coronel Pina Lopes e, ao mesmo tempo, a acreditar que Almaceda — como, aliás, outras terras da nossa Beira —, foi fundada por espanhóis.


A etimologia de Almaceda — POR J. DIOGO CORREIA

in: CORREIA, J. Diogo (1962). A etimologia de Almaceda. Estudos de Castelo Branco n.º 4, 1 de abril de 1962, pp. 69-72   Não há campo m...