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quinta-feira, 10 de outubro de 2024

A Revolta dos Gabões. A verdade?

Passados 16 anos da publicação neste novo formato da primeira notícia sobre a "Revolta dos Gabões", encontram-se novos [velhos] dados, e afinal constata-se que a Revolta se deu noutra data.

 20 de janeiro de 1894

Abaixo apresentam-se excertos adaptados dos jornais, Terra da Beira, n.os 22, 23 e 24, publicados entre outubro e dezembro de 1930.


 

 


quarta-feira, 5 de agosto de 2020

A Revolta dos Gabões [5]


 Uma versão da história, retirada da página Dos Enxidros (Série II)

 “Gente e histórias da nossa terra“

“Joaquim Rodrigues Marques”

 23 de janeiro de 2020

 “(...) Contava também uma, passada com ele, que nunca mais tinha esquecido. Era uma manhã fria e enevoada de janeiro, a Vila quase deserta, que em tempo de azeitona só ficavam em casa sapateiros, alfaiates, ferreiros e pouco mais que algum porte tivesse. Calhou também ele estar de cama por causa duns febrões de três dias. De manhã bem fez por se pôr de pé, quando ouviu o búzio a chamar, mas nem acolheu as pernas fora da cama.

Naquele tempo morava numa casa na rua Nicolau Veloso, mesmo na esquina com a Manuel Mendes, e, quando foi a meio da manhã, começou a ouvir um serrabulho que parecia o fim do mundo. Veio-lhe logo à ideia uma história que o avô contava, que a ouvira já do avô dele, quando uma corja de castelhanos entrou Vila adentro, roubou tudo o que havia para roubar, matou e prendeu quem quis e, ao fim, atearam fogo ao que não puderam levar. Muitas casas ficaram reduzidas a cinzas, até a Casa da Câmara. Inteira, só escapou a Igreja da Misericórdia, mesmo ali ao lado. «Milagre do Senhor Santo Cristo!» - clamava o povo, e dizem que foi a partir daí que começaram a fazer-Lhe a festa, todos os anos, no mês de setembro (ou terá sido por causa da nuvem de gafanhotos que desceu sobre o renovo e, não fossem as preces ao Santo Cristo, tinha deitado a perder toda a colheita desse ano?).

Não era homem de ter medo, o tio Joaquim, mas foi com alguma cautela, e a muito custo, que saiu da cama e foi assomar ao postigo: até metia medo, tal era o mar de gente a correr rua abaixo, tudo com paus, forquilhas, foições e machadas no ar, aos gritos: «Fujam que vem aí a tropa!» Quando se meteu para dentro encarou com um desconhecido, mesmo ao lado dele. Era um velho, pr’aí a meio entre os sessenta e os setenta, de pernas bambas amparadas a um pau, enfiado num gabão que o cobria da cabeça aos pés. Arfava que até parecia que lhe saltavam os bofes p’la boca. A porta estava sempre no trinco e, com a algazarra, nem tinha dado conta d’ele entrar.

- O qu’é que vosmecê quer?

- Deixe-me aqui descansar um bocado, que nem me tenho nas pernas.

O tio Joaquim, ainda mal afeito aos acontecimentos, nem sabia o que dizer, mas lá se resolveu. Apontou-lhe o mocho com o queixo «assente-se aí», e enfiou-se a ele debaixo do fato, que já estava a bater o dente.

Mais calmo, o velho pôs-se a contar: Era de Almaceda, e para aqueles lados da serra andava o povo preado por causa da cobrança das contribuições, aumentadas para mais do dobro. Nas tabernas e à saída da missa (o padre sempre a louvar a ordem e a obediência ao rei e às outras autoridades), não se falava noutra coisa. Era demais, desta vez! Ainda por cima gostavam de saber para onde é que ia o dinheiro de tanto imposto, que para proveito do povo não era: só se lembravam deles quando era para cobrar. Era mas é para encher o bandulho dos que não faziam nada, mas viviam à tripa forra - o rei, lá por Lisboa, e os condes e viscondes, por cá.

Como é que se faz, como é que deixa de se fazer… Cada cabeça sua sentença. Diziam uns que não se pagava, e pronto; que fossem lá os ladrões da Vila, que haviam de levar que contar. Diziam outros, a maioria, que não bastava; tinha era que se armar uma revolta e cortar o mal pela raiz. Ao fim, concordaram todos que o remédio só podia ser um: «Vai o povo até à Vila, toma-se a Câmara de assalto e queima-se a papelada toda. E ai de quem se meta à frente! Depois muda-se a gente para Castelo Branco, se for preciso, que mais mal servidos não hemos de ficar.» Assentaram o dia e passaram a palavra às terras todas das redondezas.

De madrugada, mal passava da meia-noite, Almaceda começou a encher-se de gente vinda de toda a freguesia, e marcharam por aí arriba, com as armas que tinham à mão. Quando chegaram aos Pereiros já lá estavam à espera os da Partida, do Violeiro, do Mourelo, do Tripeiro e da Paradanta. Para cima de mil homens, novos e velhos. À frente ia o Almeida Afonso, um ricalhaço de Valbom que era quem dava as ordens. À entrada da Vila começaram a rufar tambores e tudo a bradar «Morte aos ladrões! Abaixo as contribuições!» Assim que chegaram à Praça, uns, mais valentes, meteram ombros à porta da Câmara e deitaram-na abaixo. Depois foram-se à papelada, atiraram com tudo cá para fora e chegaram-lhe lume. Uma fogueira que só visto! Dabanão, começou-se a ouvir o búzio e alguém aos gritos, que vinha lá a tropa, e pôs-se tudo a correr, rua abaixo. Ninguém queria ser apanhado e metido na enxovia, que ainda havia a azeitona para acabar de colher.

- E vosmecê, c’a idade que tem, com’é que se meteu num trabalho destes?

- Inté parecia mal fequer na cama. Já estou velho, mas não sou intrevado e inda sou homem com’ós outros. Nem que fosse a últema coisa que fezesse na vida, tinha que vir. Os de cá da Vila chamam-nos charnecos, como se fossem mais que a gente, mas tomaram muitos! Em brio e união, ninguém nos chega aos calcanhares. Quando os sinos tocam a rebate, seja pró que for, acode o povo todo, novo e velho; não é com’em muito lado, cada um por si… Bom, e agora vou andando, que, não tarda, é noite.

 - Beba um copito d’aguardente. Tem ali a garrafa ao despor, não se acanhe. Olhe qu’é da boa!

Meteu a garrafa à boca, bebeu um golo e ao fim até estalou os beiços.

- Ó diabo, esta aquece!

- Beba mai um golo.

- Bem-haja, mas vou-me indo. Até outro dia! E perdoe lá aquelas palavras d’ há pouco. A gente sabe qu’em todo o lado há bom e há mau, que, ao fim e ao cabo, somos todos do mesmo sangue…

- Vá com Deus!

 (...)"

 

A notícia original pode ser consultada em: https://dosenxidros.blogspot.com/2020/01/gente-e-historias-da-nossa-terra.html

 

quarta-feira, 15 de julho de 2020

A Revolta dos Gabões [4]

Outra versão da história, retirada da página do Facebook de Tinalhas e sua Gente

“A REVOLTA DOS GABÕES”
Editada no “MENSAGEIRO DE ALMACEDA” em 23 de Fevereiro de 1961

“O escrivão de Fazenda do concelho de S. Vicente da Beira, recebera ordem para fazer a cobrança da contribuição predial pelas novas matrizes. O povo de Almaceda, cujo cultivo da leira que mal lhe dava para a côdea de cada dia, sentiu revolta mal contida:
- Não paga ninguém, acabou-se a justiça que venha para cá que há-de levar que contar. Almeida Afonso, de Valbom, o mais abastado proprietário da charneca, aconselhava:
- Nada disso, com os homens da justiça lá do campo não queremos pegas. O remédio tem de ser outro. Agora, bico calado, pois se os de S. Vicente desconfiam, pilham-nos na ratoeira mandando vir tropa de Castelo Branco.
Em 23 de Janeiro de 1893, Almeida Afonso, às duas da manhã, ouviu os primeiros sons do búzio. Almaceda chegava em reboliço. Numa algazarra medonha, começou a movimentar-se em longa bicha pelos atalhos a caminho dos Pereiros, ponto marcado: os de Almaceda, do Violeiro, Tripeiro, Mourelo, Partida e Paradanta. Era uma massa enorme de gente, de gabão vestido, mais de mil, armados de varapaus, roçadoiras, forquilhas e machados.
- Agora, todos calados até S. Vicente.
A Câmara foi assaltada e o fogo devorador consumiu a papelada da Repartição da Fazenda. Chegara o tumulto ao seu auge. O Padre José de Matos teve a ideia de gritar:
- Rapazes, fujam que ai vem a tropa …
O pânico apoderou-se da turba e cada um desmandou em correria louca para fora da vila. O administrador do Concelho mandou lavrar auto da ocorrência. A notícia correu veloz por toda a serra. Veio a tropa e no primeiro dia só encontrou uma dúzia de homens velhos. Nos dias seguintes foram caçados mais uns tantos e saíram de S. Vicente com destino a Castelo Branco, entre baionetas. O Almeida Afonso, quando os militares lhe cercaram a casa, nem sequer perguntou para onde o levaram. Os de S. Vicente, apertados pelos caciques que não queriam perder a amizade do Almeida Afonso, viziam não saberem ao certo quem tinha apichado o fogo. E o processo foi arquivado por falta de provas. Almeida Afonso arrebanhou toda a gente e foi ao Governador Civil a pedir a desanexação de Almaceda do concelho de S. Vicente. Despovoou-se a gente da cidade para o castelo para ver ao longe a marcha dos charnecos. O exemplo pegou. Estava morto o município de S. Vicente. O Ministro Bintzi Branco publicou o decreto de extinção.”


sexta-feira, 20 de junho de 2008

A Revolta dos Gabões [3]

 ***
Atualização da notícia - 10 de outubro de 2024
 
***
 
Como prometido, vou tentar transcrever a Crónica da autoria do PE. (DR.) JOSÉ RIBEIRO CARDOSO, intitulada:


“A REVOLTA DOS GABÕES”
Editada no “MENSAGEIRO DE ALMACEDA” em 23 de Fevereiro de 1961


“Um motim à 68 anos, Almaceda em reboliço. Mais de mil gabões ambulantes em manhã de nevoeiro. O assalto a Repartição da Fazenda do concelho de S. Vicente da Beira. A queima dos cadernos das novas matrizes prediais e o mais que nesta resumida notícia se dá.

O escrivão de Fazenda do concelho de S. Vicente da Beira, António Ribeiro, recebera ordem para fazer a cobrança da contribuição predial pelas novas matrizes.
Distribuidos os avisos das colectas a pagar, o povo serrano da freguesia de Almaceda, aferrado ao cultivo da leira que mal lhe dava para a côdea de cada dia, sentiu ímpetos de revolta mal contida ao saber que as contribuições vinham aumentadas em dobro e mais ainda.
Aos domingos, depois da Missa conventual, a que concorria toda a gente da freguesia, no adro da igreja não se falava noutra coisa.
Esfusiavam os lavitres;
- Não paga ninguém, acabou-se a justiça que venha para cá que há-de levar que contar. Mas, logo, Almeida Afonso, (O Maneiritas), de Valbom, o mais abastado proprietário da charneca, aconselhava prudentemente: - Nada disso – com os homens da justiça lá do campo não queremos pegas. O remédio tem de ser outro – e cochichava aos principais o que se devia fazer.
E todos aceitaram o alvitre, a sorrir, contentes, decididos.
E a todos recomendava – agora, bico calado, pois se os de S. Vicente desconfiam, pilham-nos na ratoeira mandando vir tropa de Castelo Branco.
Em 23 de Janeiro de 1893, Almeida Afonso, na sua casa de Valbom, não se deitou parecia-lhe que os ponteiros do relógio não andavam. Nervoso, ia e vinha da janela, aborrecido, por lhe parecer que já passava a hora para a revolta estalar. Afinal aos ouvidos chegaram-lhe os primeiros sons do busio assoprado para os lados do poente. Depois percebia-se que de todos os lugares da serra o busio tocava a reunir, num mugido doloroso que fazia calafrios naquela hora morta da noite.
A gente de Valbom reunira em volta da casa do Afonso e este comandava: rapazes, vamos com Deus!
Às duas horas da manhã Almaceda estava em reboliço. O mulheredo das duas aldeias à janela com candeias de azeite, alumiavam os que vinham por todas as veredas da serra, armados de varapaus e roçadoiras.
Havia no ar uma confusão diabólica de sons – gritos alegres de rapaziada nova, mugidos prolongados dos busios que não cessavam de tocar, vozes estridentes de raparigas a chamar pelos namorados, assobios o rufar lento do tambor do Espírito Santo.
- Estão todos! Clamou o Afonso de Valbom!
- Não senhor! – responderam muitas vozes.
Faltam os da Paiágua, que vêm além na serra.
E quando se reuniram todos os homens de freguesia de Almaceda o Afonso deu a ordem de marcha e a multidão, numa algazarra medonha, começou a movimentar-se em longa bicha pelos atalhos a caminho dos Pereiros, ponto marcado para todos os da revolta.
Quando os de Almaceda chegaram, já lá estava a gente do Violeiro, Tripeiro, Mourelo, Partida e Paradanta.
Era uma massa enorme de gente, passante de mil pessoas, armados de varapaus, roçadoiras, forquilhas e machados.
O Afonso de Valbom mandou fazer silêncio e disse:
- Agora, todos calados até S. Vicente. À entrada da Vila rufam os tambores, tocam os busios, faz-se algazarra de morras aos ladrões e abaixo as contribuições. Fica a gente atrapalhada porque não vos espera.
Quatro rapazes valentes escangalham as portas da Câmara com machados e uma dúzia entra na Repartição da Fazenda, deita cá para baixo toda a papelada e apicha-se-lhe o fogo. Se alguém se quiser opor, prenda-se mas não se tosa.
Depois disto feito as autoridades hão-de querer saber quem queimou a papelada par nos levarem para a cadeia. Reparem bem na resposta que devem dar: - Ninguém viu, ninguém foi, ninguém sabe quem deitou o fogo à papelada.
Entendidos?
Sim, clamou a multidão e se alguém falar tira-se-lhe o chiadeiro …
E a massa enorme pôs-se de novo em movimento. A manhã estava de um frio que enregelava, amortalhada numa neblina que mal deixava ver o caminho da serra.
Os revoltosos, embrulhados nos seus gabões de burel, capus na cabeça, moviam-se como sombras.
A entrada de S. Vicente rompeu um grito terrível. Rufaram os tambores, tocaram os busios, mil vozes confusas gritaram impropérios, a Câmara foi assaltada num momento, e o fogo devorador consumiu a papelada da Repartição da Fazenda.
Ninguém da vila se atreveu a opor-se aos desacatos a não ser o velho Doutor Fabião que, confiando na sua muita autoridade, saiu à rua para impedir o desvario.
Inutilizaram o seu intento quatro serranos que lhe impediram os passos.
A onda seguiu para a tesouraria da Fazenda. Intimado o tesoureiro a apresentar os recibos de cobrança e mais papelada, negou-se. Foi o grito das almas!
Esquecidos, alguns mais exaltados não tiveram mão de si e agrediram o tesoureiro. Houve quem interviesse rápido e não teve consequências de maior a agressão.
Entretanto as portas da Tesouraria cediam aos golpes dos machados e a multidão entrava. Os ânimos chegaram ao rubro de exaltação.
Inquiria-se por todos os lados onde estava o escrivão da Fazenda. Ele era o grande talvez o único responsável. Era necessário que aparecesse ali para dar contas à multidão.
O homem fugiu – diziam uns.
- Não fugiu, que ninguém deu por ele nas saídas da rua.
- Está escondido. Não lhe valeu de nada – diziam outros.
O escrivão da Fazenda António Ribeiro acordou estremunhado aos primeiros alaridos do tumulto e viera à janela, curioso indagar o que se passava.
Ao ouvir as morras à sua pessoa, sentiu calafrios na espinha e transido de medo, fugiu espavorido, pelas trazeiras da Câmara e encafuou-se no aljube.
Ali permaneceu enquanto durou o tumulto e contou depois que um momento houve em que julgou ter chegado à sua última hora e foi quando uns curiosos, espreitando pelas grades o descortinaram, embrulhado a um canto.
Uma voz gritou então: - Rapazes, na cadeia está um homem preso, toca a arrombar a porta e a pô-lo na aragem …
António Ribeiro sentiu uma dor profunda proveniente do embrulho intestinal, aljufrou-se-lhe a fronte de um suor frio e perdeu os sentidos.
Voltou a si, já o tumulto tinha terminado. Apalpou-se para se certificar que estava vivo. Depois notou o estado em que se encontrava!...


Chegara o tumulto ao seu auge. O vinho começara a querer fazer diabrura grossa e a gente de S. Vicente que assistia de longe ao desenrolar dos acontecimentos, começou a temer que a comédia degenerasse em sangrenta tragédia. Foi então que o Padre José de Matos teve a feliz ideia de gritar com voz sonora: RAPAZES, FUJAM QUE AI VEM A TROPA …
Foi o debandar do tumulto e o salve-se quem puder. O Pânico apoderou-se da turba e cada um desmandou em correria louca para fora da vila, galgando encostas e vales a caminho da sua terra.


Passado o tumulto, a gente de S. Vicente reuniu toda no largo da Câmara. Comentavam uns à gargalhada a partida que o Padre José de Matos pregara aos de Almaceda, e outros, indignados, incitavam as autoridades a dar castigo severo à malta dos charnecos que se atrevera a tamanho desacato.
O administrador do Concelho mandou lavrar auto da ocorrência que redundou em parte carregada para os de Almaceda e despachou em macho ligeiro o oficial de diligências com o ofício ao Governador Civil pedindo força armada para castigar e prender os desordeiros.
A tropa chegou no dia seguinte, ao cair da tarde. António Ribeiro, refeito do susto, opinava que se deviam prender todos os charnecos, sem faltar um só, porque todos eram réus de homicídio frustrado.
O Doutor Fabião ponderado e sisudo, opinava que somente se deviam prender os cabeças de motim.


A notícia de haverem resolvido os de S. Vicente a prisão de todos os charnecos que tinham vindo ao barulho, correu veloz por todas as casas e povoações da serra.
Havia cóleras mal reprimidas nas almas dos serranos contra os de S. Vicente e em todos o propósito deliberado de se não deixarem engaiolar, de fugir para a serra, quando a tropa aparecesse.
E veio a tropa e não pilharam ninguém …
No primeiro dia, a tropa, depois de um trabalho de correrias por encostas e vales, só conseguiu deitar a mão a uma dúzia de charnecos – homens achacados pela doença ou estropiados pela idade que não tinham ido a S. Vicente e que não tinham contas a dar à justiça.
Nos dias seguintes foram caçados mais uns tantos e todos saíram de S. Vicente com destino as cadeias de Castelo Branco entre baionetas.
O Almeida Afonso não quisera fugir. Quedara-se em casa à espera dos acontecimentos e quando os militares lhe cercaram casa, apresentou-se voluntariamente, a sorrir, bem convicto que aquilo não valia nada.
Embrulhado no seu gabão de burel entrou na fila de soldados e nem sequer perguntou para onde o levaram.
Quando soube que ia para S. Vicente, esboçou um sorriso escarnilho e não teve mão que não dissesse: preferia ir para Castelo Branco, mas vamos para S. Vicente …
Os de S. Vicente, apertados pelos caciques que não queriam perder a amizade do Almeida Afonso, também não sabiam ao certo quem tinha apichado o fogo. E o processo foi arquivado por falta de provas.


O Afonso nunca mais perdoou aos de S. Vicente aqueles dias no Aljube.
Na primeira oportunidade eleitoral mandou rufar os tambores, arrebanhou toda a gente válida da serra e foi de longada até Castelo Branco, trazer uma representação ao Governador Civil a pedir a desanexação de Almaceda do concelho de S. Vicente.
O caso fez barulho e sabida a notícia, despovoou-se a gente da cidade para o Castelo para ver ao longe a marcha dos charnecos que vinha em algazarra aos vivas e aos morras, em longa bicha de homens a pé e a cavalo.
E assim entraram em Castelo Branco. E estava radiante o Afonso com aquela desforra que tirara dos dias que estivera preso no Aljube de S. Vicente.


O exemplo de S. Vicente pegou. O Sobral do Campo, Tinalhas não queriam ficar em S. Vicente. O Louriçal ruminava há muito tempo a sua incorporação em Castelo Branco.
Estava morto o município de S. Vicente de antiquíssimas e gloriosas tradições.
Aquela revolta dos gabões atirou-lhe a estocada mortal e Almeida Afonso só descansou quando o Ministério Bintzi Branco publicou o decreto de extinção.”