in: CORREIA,
J. Diogo (1962). A etimologia de Almaceda. Estudos de Castelo Branco n.º 4, 1 de abril de 1962, pp. 69-72
Não há
campo mais ilusório, terreno mais movediço e escabroso que o da Toponímia. Conseguintemente,
não há, nem creio que algum dia houvesse aparecido sobre a face da Terra,
filólogo que, uma ou outra vez, não tivesse claudicado em suas tentativas para
o descobrimento da origem etimológica de nomes de lugares.
A opinião
de Pinho Leal, acerca da etimologia de Almaceda, apre sentada como tese
incontroversa, teve, depois, a oposição formal do Dr. Pedro Augusto Ferreira,
abade de Miragaia e continuador do seu Portugal Antigo e Moderno. O primeiro
indicou para étimo do vocábulo a palavra árabe almazaida, «águas crescidas»;
optou o segundo pelo termo castelhano mazanela, «bosque de macieiras». (Tentativa,
III, p. 188). A estas duas opiniões me referi no meu livrinho Toponímia da
Beira Baixa, e, cotejando-as, decidi-me pela do Abade de Miragaia, influenciado
pela semelhança morfológica de vários topónimos da família de maçã, tais como:
Maçadas, Maçainhas, Maçal, Maceda, Macedo, Macedos, Maceira, Macido, etc. (Vide
Leite de Vasconcelos, Opúsculos, III, pp. 380 -381). Veio, a seguir, o ilustre
beirão, sr. tenente-coronel Pina Lopes, investigador honesto e infatigável, que
primeiramente propôs o étimo creio, o vocábulo espanhol almácega, vulgarmente
almacega (cé) e, por fim, e em boa hora, segundo creio, o vocábulo espanhol
almoceda, «águas de regadio de direito estabelecido». Voltei a estudar o
problema e, desta vez, com redobrado interesse. Desloquei-me expressamente a
Alcabideche, a fim de consultar uma simpática velhinha, infelizmente já desaparecida,
viúva , que foi , do prof. José Lopes Machaz, incansável obreiro que, qual
estatutário, desbastou em Almaceda tanta e tanta pedrinha «tosca, bruta, dura
e informe» ; considerei o facto de o mestre Leite de Vasconcelos
não incluir Almaceda na lista a que atrás faço referência; atentei na
circunstância de a povoação ser atravessada pelo rio que lhe deu o nome e que a
divide em duas aldeias, a aldeia do Espírito Santo , com a capela e o cemitério
, e a da Senhora da Graça, maior, mas mais modesta; na divisão das águas do rio
— a riqueza daquela pobre gente —, que lhe regam os milharais e as hortas e lhe
fornecem a força motriz para as azenhas e lagares ; reflecti, em suma , na
definição da palavra almoceda , do árabe almoçda, dada pelo Dicionário da
Academia Espanhola : — «derecho de tomar agua por días para regar algun término».
Convirá ter
presente que a mudança do o, de almoceda, em a, de Almaceda, é fenómeno
morfológico igual ao que se deu em Morouço, forma antiga de Marouço, e Morofa,
agora Marofa, nome de uma serra do sistema orográfico luso - castelhano.
Morouço
ainda hoje vive nos concelhos de Barcelos, Braga, Feira, Santarém e Torres
Vedras; Morofa apenas se me deparou na excelente Geografia do ilustre
catedrático, Doutor Amorim Girão, a quem consultei sobre o caso e de quem,
pronta e amàvelmente, recebi a informação de que Morofa (Mo) era a forma usada
pelos nossos antigos corógrafos e por isso a adoptara. (De então para cá,
passou a figurar, também, Morofa na Geografia de que sou co-autor).
Digno de
ponderação é ainda o facto de ser fechado o e tónico dos topónimos terminados
em -eda, como Aveleda, Carrazeda, Cerqueda, Freixeda, Loureda, Maceda, Peneda,
Reboreda, etc., e aberto, que eu saiba, apenas o de Almaceda. É certo que -
talvez por influência da pronúncia daqueles nomes —, Pinho Leal escreveu
Almacêda, mas não há dúvida de que, em todo o distrito de Castelo Branco, a
pronúncia corrente, e creio que única, é Almacéda.
As razões
expostas levam-me a aceitar sem reservas a tese do Sr. tenente-coronel Pina
Lopes e, ao mesmo tempo, a acreditar que Almaceda — como, aliás, outras terras
da nossa Beira —, foi fundada por espanhóis.